O G1 conversou com um policial de elite que atua há 8 anos na Bahia. Secretário diz que é preciso melhorar atendimento psicológico a policiais.
Equilíbrio emocional é desafio de policiais no dia a dia (Foto: Egi Santana / G1)
Na Bahia, há cerca de 32 mil policiais militares, entre homens e mulheres, responsáveis pelo policiamento ostensivo, ou seja, pelo combate à violência nas ruas. Os dados foram revelados pela Polícia Militar.
Já a Polícia Civil registra um número de 5.700 agentes, entre delegados, escrivães e investigadores. Eles são responsáveis pela investigação e elucidação de crimes. Os profissionais das duas corporações apontam como desafios da profissão, encarar todos os dias o estresse, o risco de morte e a falta de reconhecimento no trabalho. Em muitos casos, andam armados mesmo fora do horário de serviço para proteger a si mesmo e a família.
Após crimes no estado da Bahia envolvendo policiais fora do horário de serviço, o G1 ouviu a Polícia Militar e a Civil para saber se há algum tipo de orientação e encaminhamento para acompanhamento psicológico. Um policial que está na ativa e integra um grupamento de elite no estado foi ouvido pela reportagem, que se reserva ao direito de não publicar o nome, patente e unidade em que ele trabalha.
Durante entrevista, o policial relatou que já precisou usar a arma fora de serviço para se defender e deixou o local para não ser preso. "Vivemos no fio da navalha. Quando o policial acerta, ninguém lembra, até porque fomos 'mal treinados' para acertar, somente acertar. Fazemos o nosso trabalho por amor à profissão, se fosse só pelo salário, a Bahia estaria entregue ao tráfico.
Matamos um leão por dia e por falta de apoio existe essa instabilidade. Hoje, a tropa é omissa por não ter o apoio e o reconhecimento devido. Isso sim gera instabilidade", revela.
Equilíbrio emocional é desafio de policiais no dia a dia (Foto: Egi Santana / G1)
Alguns casos de descontrole da polícia contra a sociedade civil acabam nas páginas dos jornais, nas delegacias e na Justiça. Alguns não aguentam a pressão e acabam desenvolvendo problemas psicológicos. Às vezes, são afastados do trabalho por conta disso.
Há registros também de policiais que tiraram a própria vida. Na PM, somente este ano foram 6. Em 2012, dois policiais da corporação se suicidaram, e em 2011, esse número foi 7. Já a Polícia Civil, informou que não foram encontrados registros de suicídios na corporação nos últimos três anos. O preparo desses policiais para atuar em prol da segurança da sociedade também entra em questão.
No início de julho deste ano, um investigador da Polícia Civil se envolveu em uma briga em um bar no bairro do Imbuí e atirou contra duas pessoas. Uma delas, Leonardo Moraes, 33 anos, morreu após ficar internado e o outro foi liberado do hospital e passa bem. O policial que atirou alegou legítima defesa e está preso na Corregedoria da Polícia Civil. O investigador, segundo a polícia, já havia respondido a um Processo Administrativo por atirar em um motorista de ônibus em 2009. Como punição, ele ficou suspenso das atividades por 60 dias.
Poucos dias depois, outro investigador da Polícia Civil foi detido por atirar em um dançarino dentro de um shopping da capital baiana. Segundo a polícia, ele também alegou legítima defesa e informou que foi surpreendido por agressões do dançarino, que foi baleado na perna e liberado após atendimento médico. De acordo com a polícia, o investigador vai responder por lesão corporal e pode ficar afastado das atividades por até 30 dias. Ele foi solto mediante ordem judicial e vai responder ao processo em liberdade.
O último caso envolvendo policiais ocorreu também em julho, em um bar localizado no Rio Vermelho. Três policiais militares se envolveram em uma briga dentro do estabelecimento. Houve disparos e duas pessoas foram baleadas. Dois deles foram presos e o outro liberado por não ter sido comprovada a participação dele no caso. Um dos policiais vai responder por tentativa de homicídio e o outro por porte ilegal de arma de fogo e de documento falso.
Atendimento psicológico
A PM afirma que tem um setor, o Serviço de Valorização Profissional (Sevap), que é subordinado ao Departamento Pessoal, para atender aos policiais com problemas psicológicos. No entanto, até a data de publicação desta reportagem, a corporação não passou os dados sobre atendimentos no setor, solicitados pelo G1.
Já a Polícia Civil, informou que não há dentro da corporação um setor que ofereça apoio psicológico aos servidores. Através da assessoria, a Polícia Civil afirmou que "a procura por apoio psicológico deve ser voluntária, de iniciativa do servidor policial. Um chefe imediato, que identifique alguma alteração de comportamento do subordinado, aciona o Departamento Médico da Polícia Civil (Demep), que vai encaminhar profissionais para acompanhar e avaliar o desempenho do servidor, recomendando, se necessário, que ele procure por apoio. Se o servidor policial reconhecer que precisa de apoio, o Demep vai orientá-lo nesse sentido".
Em entrevista ao G1, o secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, falou sobre o acompanhamento psicológico dos policiais civis e militares. Para ele, é tão importante quanto o condicionamento físico do preparo do policial para adentrar a carreira policial.
"O que nós estamos fazendo é reestudar todo o ciclo de vida funcional dos nossos servidores. O que nós temos que fazer é melhorar a forma de acompanhar esses policiais e termos provas, critérios de avaliação para que esses profissionais sejam avaliados de tempos em tempos e até condições que o estado tenha a dar para que esses profissionais se recuperem de distúrbios psicológicos que eles venham a sofrer durante o exercício da sua carreira”, disse.
Policiais em frente a Assembleia Legislativa da Bahia, durante greve deflagrada em 2012
(Foto: Egi Santana / G1)
Os policiais civis da Bahia atuantes hoje têm, em média, 49 anos. A maioria dos policiais entra na atividade por conta da estabilidade financeira ou por considerar que tem vocação para o serviço.
Para o policial entrevistado pela reportagem, mesmo gostando do que faz é preciso ter muito equilíbrio emocional para trabalhar. O PM afirma que conta com a ajuda da família e da esposa para lidar com o estresse da profissão. O policial lembra que já teve colegas que deixaram a atividade ou até tiraram a propria vida por conta do estresse no trabalho. "Triste lembrar, já foram esquecidos. 'Policial morto, farda em outro', é assim que funciona", relata.
Fardado ou não, o PM ouvido pelo G1 afirmou andar armado "24 horas" por dia para sua própria segurança. De acordo com ele, a maioria dos policiais age da mesma forma. "Não tenho mais confiança na Justiça. Hoje, marginais que prendo, saem em menos de um mês. Só ando armado para proteger os meus e a minha família. Tenho medo de me tornar completamente omisso, a visão que tenho é que não tem mais jeito a dar. Quem sabe se meus companheiros que tiraram a própria vida desistiram de lutar?", disse.
O secretário Maurício Barbosa comentou sobre o uso de armas pelos policiais fora de serviço. " A questão não é se ele vai ou não levar a arma para casa. Se ele se sentir ameaçado, sentir a necessidade de portar a arma que ele usa em serviço, porque ele não pode usar para se defender? Nós temos que fazer e um acompanhamento melhor desses policiais. Não podemos pegar casos graves que, infelizmente aconteceram, e dizer que isso se reflete por toda a corporação", afirmou.
Policiais durante ação, em manifestação popular em junho de 2013
(Foto: Lilian Marques / G1)
Na Polícia Civil, atualmente há 59 policiais afastados por motivos médicos. Os problemas não foram especificados. Em 2012, 4 foram afastados por envolvimento em crimes. Este ano, até a sexta-feira (2), o número também era de 4 policiais afastados por participação em crimes.
Dois servidores da Polícia Civil foram expulsos da corporação no ano passado, após processo administrativo. Em 2013, um policial foi excluído da corporação após processo administrativo. Ele responde na Justiça por matar a mulher e forjar um acidente de carro.
Hoje, na Polícia Civil, 11 servidores que já tiveram a sentença definida estão presos, um está em prisão temporária e 7 em prisão preventiva. Este ano, até o dia 25 de julho, 482 policiais civis respondiam a processos administrativos já instaurados e 377 foram remetidos à Justiça. Segundo a Polícia Civil, os crimes mais comuns envolvendo servidores da corporação são abuso de autoridade, lesão corporal e envio de inquéritos ao Ministério Público fora do prazo.
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